sexta-feira, maio 23, 2008

Adeus



Quando acordou nessa manhã, os raios de sol brincavam por entre as frestas da persiana corrida, cinco linhas de onze tracinhos que se esforçavam por iluminar o quarto. De frente para a janela estava uma cama antiga, de mogno escuro, com formas, esculturas como torres de castelos medievais e mesquitas arredondadas, peças delicadas ou fortes, mundos nascidos do cinzel e do torno e das mãos do carpinteiro.
São sonhos de pessoas que fazem sonhar pessoas.
Ao lado da cama uma só mesa de cabeceira, do lado esquerdo, com um despertador antigo, com as marcas das incontáveis vezes que fora espancado pelo silêncio. Mas através do tempo e da força ele aguentou-se, durou, e as mãos outrora duras afeiçoaram-se a ele, e de murros passaram a festas.
E ele não falhava. Tic... Tac...
Quando acordou nessa manhã, o despertador ainda não tinha tocado, mas o Sol já brincava com as partículas que voavam, só entre as frestas da persiana, como se só a luz as activasse e lhes desse vida.
Quando acordou nessa manhã, continuou a dormir. Não podia acreditar que tudo aquilo fosse real... Mas parece tão real! - pensou...
Por baixo da janela, fora do efeito das tranças que iluminavam o seu espaço, uns olhos sorriram-lhe. Aqueceram-no por dentro. Disseram: Bom dia meu pequeno. Aproximaram-se. Os olhos.
-É isto o fim? - perguntou - Acabou?
- Não, meu pequeno, não é o fim. Tu sabes quem eu sou. Tu sabes o que sou.
Os olhos.
Quando ele acordou nessa manhã, afagou o despertador para o desligar.
Quando ele acordou nessa manhã, abriu a persiana até cima. Chovia. Nessa manhã ele abriu a janela e caminhou à chuva. Sentiu cada gota, saboreou cada segundo. Olhou o Sol por trás das nuvens, por trás do céu, e sorriu.
Nessa manhã, pela primeira vez o fiel despertador não despertou, quebrou, partiu, ruiu.
Nessa manhã o Sol não furou pelas frestas da persiana.
Nessa manhã ele não acordou.

Miguel Encarnação
20 Maio 2008
14h43min

7 comentários:

Anónimo disse...

Estilo diferente, mas mesmo assim nao perdes a capacidade, a estetica no escrever, a originalidade e continua...mas continua com os poemas tambem!

Anónimo disse...

Estilo diferente, mas mesmo assim nao perdes a capacidade, a estetica no escrever, a originalidade e continua...mas continua com os poemas tambem!

Anónimo disse...

Congratulations. You have now the skills to write prose :D

tou a brincar va....como sabes, adorei, muito bom, e adorei mesmo o final... Adorei o degrade da alegria para a condenaçao final...

Continua a fazer disto!

beijo, miss you*

Anónimo disse...

*bem mano.... Isto sou eu todos os dias... =P

"Nessa manha ele não acordou.." nem nessa nem nas outras..É só a tarde..loool... na brinca

gostei mano.....

abraço
Luis

Anónimo disse...

Bem, adorei este texto. Mesmo! Gosto da tua forma de escrever e de como escreves. (É verdade, não são a mesma coisa.) O decréscimo da felicidade é ali muito bem feito através de uma escrita bastante leve ao ler. Não sei se estavas inspirado, mas este texto saiu realmente bem. Parabéns.

Dei um "giro" pelos teus textos antigos e fiquei algo decepcionado. Não que a poesia esteja má, mas porque, salvo raras excepções, é um meio que não me captiva. Fiquei decepcionado por não ter encontrado mais nada em prosa.

Em todo o caso, é para continuar ;)

Anónimo disse...

hey sunnyboy... este Texto é incrivel... gostei mesmo mt... é especial e entao a maneira como descreves o final... mt bonito... contnua assim...
:-)

Bruna Costa disse...

Uauu!Muito bem!Não sabia que escrevias tão bem...pensava que só querias saber dos computadores!! =P

Gostei muito.Acho que deves tirar o blog do mofo e continuar a postar!

Bjnho (sauxixa =PPP)