domingo, novembro 30, 2008

4

Não sabia o que o tinha feito pensar que a porta estaria aberta. Um daqueles palpites utópicos da juventude, em que raramente o difícil o parece. Mas o falhanço é encarado sem drama, com um mero encolher de ombros.
Ele não desistia facilmente. Ele ia deixar de ser um puto, não ia desistir à primeira porta fechada!
Com o cuidado de não fazer barulho procurou a porta das traseiras. Circundou a casa, aquela casa, e em cada janela imaginava o vulto do "Homem do Saco" a observá-lo, a criança dentro de si a lutar com o adulto que ele se esforçava para ser. Mas a experiência não se origina do esforço.
Ele achou-se repentinamente num escuro ainda mais escuro, numa abóbada de sebe, mas ao mesmo tempo teve um vislumbre de uma porta antiga, que não parecia muito forte...
Então seria assim, o destino continuava a exigir mais dele, mostrava-lhe um propósito ao mesmo tempo que lhe levantava um novo obstáculo. Estava a tentar gozar com ele...
Não o conhecia. Ele não estava ali para recuar. Nem mil sebes, mil muralhas, o quarto mais escuro o impediriam de tentar até ao fim, repetia ele para si próprio, como injecção de coragem. O medo da vergonha consegue ser um grande estimulante...
O primeiro passo não foi o mais difícil. Há quem diga que o é sempre.
É falso, por vezes a dificuldade está em continuar e concluir o que começamos. Por muito difíceis que as coisas pareçam no seu início, costumam arranjar maneira de complicar quando nos convencemos que o pior já passou.
A cada passo os vultos que ele via ou imaginava ver não desapareciam, duplicavam. Cada passo era mais pesado que o anterior.
Mas ele continuou. Adiante!
A cada novo passo, a simples aceitação lhe inundava o pensamento.
Crescia enquanto se mentalizava:
Ninguém disse que ia ser fácil.

sexta-feira, novembro 28, 2008

3

Uma floresta de branco preenchia a sua cabeça. O cocoruto saliente tinha direito a uma clareira que reflectia o luar. Por um capricho da vida, o cabelo das suas têmporas mantinha o negro original, como azeviche. O seu nariz adunco sobressaía no rosto, mas o que o dominava eram os olhos. Os seus olhos eram ainda mais velhos que ele. De uma tonalidade muito parecida com a da avelã, mas ainda mais clara, como se os anos a tivessem diluído nas lágrimas que nunca chorara.
Desde criança que ele fora temido por essa distinta característica. Ao início vieram elogios, depois a curiosidade, depois o temor, seguido da inveja, rancor, ódio!!! Ao contrário das outras crianças, não o tentavam proteger, o único desejo de todas as pessoas salvo sua mãe e seu pai era faze-lo verter uma lágrima. uma que fosse.
Justificavam-se dizendo que era para provar que ele era uma criança normal. Na realidade era um sentinmento de inferioridade que os movia. A todos eles, que na sua "normalidade" nºao compreendiam nem aceitavam algo extraordinário.
Após a morte do seu pai desistiram da estratégia de tortura e pressão para o evitarem completamente. A inveja deu lugar ao medo e ódio velados atrás de caras fechadas. No funeral do seu pai só um membro da família não pranteava, apesar do sofrimento extremo patente na sua figura. Só uma pessoa naquela igreja quase vazia não chorou.
E a notícia voou. Biazarro, chamaram-lhe. Diabo, Fantasma, Sombra, Maldito!
Sós, ele e a sua mãe reduziram gradualmente as suas saídas de casa. Daquela casa.
O passado trancou-os, o futuro preparava-se para lhe ir bater à porta.
Sonhos de contacto com outras pessoas vaguearam pela sua mente durante décadas. Seria o seu desejo satisfeito?
Talvez.
Mas não seria assim tão fácil...

quarta-feira, novembro 26, 2008

2

O medo que ele tentava engolir não ultrapassava o nó na sua garganta. As roupas negras não assustavam os seus temores, e nem na noite mais escura o escondiam dos seus fantasmas. Eram já muitas as beatas no chão...
Mas a coragem ainda não tinha chegado.
O silêncio da noite era rompido apenas por arritmadas onomatopeias da Natureza, os sons que ignoramos quando fazemos quase tudo, mas que estão lá. Estão sempre lá. E se metamorfosea em estrépitos assustadores quando esperamos em silêncio pelo desconhecido. Subitamente reflectiu e tomou a decisão que já julgava ter tomado antes. E dirigiu-se aquela casa.
Castelo inexpugnável das guerras medievais da sua imaginação. Eterno precipício da sua coragem, local tabu das suas gabarolices. Com aquela casa não se brinca! Era a prova que o medo é uma das mais fiáveis maneiras de obter o respeito. Mas respeito ganho por temor dá sempre lugar a revolução.
Ele era o rebelde revolucionário da rebelião que nascia da sua coragem mal direccionada para o fantástico mundo dos medos de criança, qual D. Quixote perdido entre moinhos, qual D'Artagnan e Rochefort. Por vezes quando a ilusão dá lugar à realidade traz com ela alguma tristeza.
Outras vezes não.
Ele avançou pela erva que cobria o que em tempos fora um jardim. Encostou-se à porta da frente, olhou em todas as direcções à procura de um olhar, ou se um motivo para desistir. Encostou a mão à maçaneta para abrir a porta.
Mas não seria assim tão fácil...

terça-feira, novembro 25, 2008

1

Naquela casa estava escuro, as janelas estavam cerradas à muito tempo, as cortinas, desbotadas, corridas até ao fim- Só alguns fiapos de luz exploravam a escuridão opressiva. Naquela casa o ar era pesado, quilos de anos, de quilos de solidão.
Acumulados.
Naquela casa.
Os putos evitavam aquela casa.
"Está vazia e não está!", diziam eles enquanto os adultos sorriam condescendentes com as suas feições assustadas.
"Claro, claro! Então mantenham-se longe, senão ainda vem o Homem do Saco e mete-vos lá dentro para vos comer!"! E riam. Riam sempre. Eles esqueciam depressa. O que lhes interessava esquecer. Porque, claramente, eles nunca tinham sido crianças, e nunca recearam o desconhecido. Eles não!...
O fumo dos cigarros bruxuleava através das copas das poucas árvores que sobreviviam na orla daquela casa. Dedos trémulos seguravam o cigarro. Indicador e dedo médio marcados pelo odor inescapável da nicotina e da folha e do alcatrão que eles respiravam com vigor. Ele já não queria ser criança. Ele não ia ter medo. Ele queria crescer. Mas quem cresce por mera vontade ou capricho, só aumenta. Só o tempo ou a necessidade nos fazem crescer mesmo, evoluir.
A beata jaz agora esmagada sob a sola das suas sapatilhas. Pretas. Como a roupa que naquela tarde vestia. Como que para espantar os medos que inocentemente julgara parte da infância, da criancice. Ilusão. Quando crescemos com medo, o medo persegue-nos, mais rápido que a idade, mais irrequieto.
O medo.

sexta-feira, outubro 10, 2008

Planar


Voas sem tempo, sem asas
Descobres correntes
Ascendentes
Planas sobre o mundo
Iludes-te
Planar não deixa de ser
Cair devagarinho
Pode não doer
Mas não deixa de ser uma queda
Não te limites a planar
Voa mais alto
Sobrevoa as montanhas elevadas
Que ergues em teu redor
Palavras enganadas
Inimigos sem fulgor
Que tu esqueces, ignoras
E deixas crescer
Para níveis quase perigosos
Antes de cortares a ligação
Embarcas todos os medos
E despenhas o avião
Finalmente voas livre
De dor, abraço, grilhão
Deixaste-me ser as tuas asas
Voas com o meu coração.


Hope you enjoy...
Mlancholic Soul
06/10/2008
09h45min

sexta-feira, setembro 05, 2008

Comédia

No meu passei pelos estilos de escrita, estou agora a debruçar-me por aquele que é talvez o mais difícil.. Estou a tentar escrever comédia. Nem vos digo a dificuldade que tou a ter, nem o gozo que dá quando sai algo de jeito! (Quer dizer..há-de dar, quando sair...)

Só pra voces saberem...
Não que vos interesse, mas assim sempre fico com uma espécie de obrigação moral de apresentar resultados e isso obriga-me a escrever!

For Fuck Sake, o que um gajo faz pra inventar motivação...

RiR


Melancholic Soul
be right back

segunda-feira, setembro 01, 2008

Uma pedrada no charco

Já tinha saudades de escrever
Sinto a falta de todo o caminho
Que as palavras me deixam percorrer
Nem sempre flui a poesia
Como voa o pensamento
Ás vezes a alma confia
às palavras o sentimento

Noutras ele fica guardado, atrás de portas fechadas
Com medo de se perder aguenta as horas passadas
Não está escondido nem esquecido
É só uma maneira de se sentir protegido.

Que sol que se sente hoje
Brilha tão alto que já nem queima
Derrete a toda a força
O gelo, o suco e a seiva
Que te preenche e te faz mover

Ao fim de tanto tempo
Perdi a lógica da minha escrita
Vou debitando palavras lúdicas
Como um jogo que me divirta.

Primeiro post escrito fora de casa.
Fruto de um desejo subito que me deu, no meu local de trabalho.
Enfim, whatever... Right?


MelancholicSoul
Over & Out.

terça-feira, julho 15, 2008

Uma Carta

Querida Amanhã,

Olá! Ainda não ouviste falar de mim, mas escrevo na esperança de chegar a ti. Esperança essa que cedo desvanecerá, em função da lógica, pois tu és como um labirinto cíclico e eu sei, não me perguntes como mas eu sei, que quando julgar, na plenitude da minha convicção que te atingi, que cheguei até ti, aí o tempo arranjará maneira de me provar quão errado estou, de volta ao início do labirinto, de volta ao hoje de onde nunca saí.

Talvez te questiones porque me referi a ti no feminino, "Querida", tu que te habituaste a ser tratada por "O" amanhã. Mas para mim tanta ambiguidade, e a justificação de tanto desejo, de tanto mistério, de tanta vontade de te conhecer e desvendar os teus segredos, só pode ser representada por uma mulher. E não uma mulher qualquer... Uma mulher com toda a autoridade do próprio Destino, inatingível mas sempre procurada.

Escrevo-te porque preciso de ti. Preciso que me mostresnão o que escondes, mas apenas o que já revelaste. Talvez hoje ainda não seja o dia em que me possas responder, mas tudo o mais que viva talvez nunca o venha a ser. Sinto-me parado. Não consigo lutar mais contra tudo o que me envias para me atrasar. Cada dia é uma frustração porque o hoje não quer passar. A meia-noite trás a condenação que nenhum tribunal pode anular. Tu, que és inacessível porvida, talvez não o sejas por carta. E cada manhã que ofereces aos que começam nova busca é apenas o início de uma miragem que me dava força para continuar. Mas chega. Exijo resposta!Tua, ou de ninguém, não importa! Porque tu és Amanhã, és mais. Não és presente, não existes. És só futuro. Não tens substância. Mas ainda assim eu escrevo-te. E sei que tu lês. Porque graçasa ti eu sei. Eu sei. Que tenho a força de lutar para atingir o impossível. Que a solução não é cruzar os braços. Que mesmo na derrota ganhamos alguma coisa. Estou à mais de sete mil dias a lutar por te encontrar, e como sempre, quando estou quase, tu mostras-me o que realmente importa é a viagem, o caminho. Cada novo dia é uma derrota na nossa busca por ti, e ao mesmo tempo um incentivo a continuar.

Obrigado! Por seres a prova da nossa vulnerabilidade, e o objecto do nosso desejo, na verdade.

Obrigado Amanhã.

MelancholicSoul
24/06/2008
20h50min

terça-feira, junho 03, 2008

Frutos




Boa noite.
Muito boa noite..
Hoje vou contar-te uma história. Talvez não seja bem uma história. Talvez seja uma rábula, uma
fábula, uma invenção, um conto, um delírio, uma ilusão, um sonho. Hoje vou contar-te uma história.
Daquelas que não começam por "Era uma vez", daquelas que têm tudo para acabar com
"Viveram felizes para sempre..". Hoje vou contar-te uma história. Mas só se a quiseres criar.
Sim, porque as verdadeiras histórias não são contadas, são vividas, sentidas como se fossem
reais, mesmo quando são fruto da imaginação. São verdadeiras quando colhemos esse fruto com
o cuidado de o plantar para que dele possam nascer mais e mais visões, mais criações, mas
histórias.

Hoje vou contar-te uma história.

É a história de um menino. Ele gostava de subir às cerejeiras no Verão e saborear os primeiros
frutos. Ele gostava de fugir ao dono do pomar. Ele gostava de fugir. Ele gostava. Ele era o rei.
Ele corria, saltava, vivia, sorria, chorava, ganhava, perdia.
Ele contava histórias, ele inventava memórias, ele gozava com o riso, ele ouvia os murmúrios da
natureza e sentia o doce calafrio da incerteza que antecedia o milagre. Ele corria.
A adrenalina era a sua irmã, a coragem a sua mãe, o destemor o seu pai. Ele ERA a aventura.
Um dia tudo tremeu.O seu mundo abalou, os seus alicerces transformaram-se de rochas imóveis
em areias movediças. O seu centro de gravidade desapareceu, ele caiu para o céu, tudo mudou.

Ela chegou.

Ela chegou , inesperada como os aguaceiros de Verão. Ela chegou e ele não estava preparado.
Ela chegou, e ele deixou de ser o rei.
Quando ele a olhou pela primeira vez, nada o poderia ter preparado para o choque. Sentiu-se nu,
envergonhado, diminuido. Sentiu-se menor. Sentiu o sabor das cerejas sumarentas nos lábios,
sentiu de novo o toque suave da brisa marítima no seu intimo, sentiu que uma revolução estava a
rebentar no seu âmago, sentiu.
Quando o seu olhar se cruzou o destino interveio e ele desapareceu. Ela não soube ver o que
julgava imaginar. Ele não soube criar o que sonhava mostrar. Eles viram-se, não como queriam
ser, mas como eram de verdade. Os seus seres únicos, inequívocos, individuais, deixaram de o
ser. Eles olharam-se mas não se viram. Pressentiram-se mas não chocaram. Eles ouviram em
cada som os seus passos. Eles desejaram em cada toque um abraço. Ao longe, eles fecharam os
olhos. Baixando a cabeça eles sonharam. Sonhando eles voaram. Voando deram as mãos. E de
repente acordaram. E ao longe. Sempre ao longe. Cada um escutou... E viu-se reflectido num
murmúrio. Ao longe, eles fecharam os olhos. Reconheceram-se. E marcaram-se um ao outro com
a tinta indelével do sentimento e do instinto.

Hoje vou contar-te uma história.
Talvez não seja bem uma história.

Depois daquela tarde, nenhum outro dia foi o mesmo. Ele voltou a subir às cerejeiras, mas os
primeiros frutos eram para ela. Ele fugia, sempre para ela, às vezes por ela, nunca dela.Ele não
era o rei, mas ela era a sua princesa. Depois daquela tarde, nenhum outro dia foi o mesmo. Ela fingia não o esperar assim que o seu coração se acalmava por o ver chegar. Ela vestia a saia vermelha e pensava nas cerejas que ele lhe traria mais tarde. Os frutos eram o seu dote. Ela não sabia o que era o mar, a que sabia o luar sobre a sua pele até àquele verão. A noite caía e todo o universo era ele, o céu estava negro sem estrelas, pois as estrelas tinham ido buscá-lo e tinham ficado esquecidas no seu olhar.
O seu olhar.
O seu olhar era tudo. Fora num olhar que tudo começara. Num olhar.
Ela vestia a saia vermelha. E lembrava-se de quando brincava. Ela vestia a saia vermelha, e
deixava de ser ela, passava a ser dele. A inocência não é mais que a primeira cereja que ele colheu para ela. Ela recorda o sabor da primeira cereja. Ela sente o seu aroma suave. Ela lembra-se. Ela sabe. Que depois daquela tarde, nenhum dia foi o mesmo.
Uma noite ele não chegou. Ela esperou. Ela escutou. Mas a noite que era sua não lhe trouxe o
que ela pediu, não lhe ofereceu a outra parte de si.
Uma noite ele não chegou.
Uma noite ela não estava lá. No final do seu labirinto. Nessa noite, nem a Lua o ajudou. As estrelas perderam-se nos seus olhos e não o guiaram.As estrelas perderam-se.
Uma noite.
Nessa noite tudo se dissolveu, mundos nasceram e ruiram, e ele gritou. Ele soltou a sua alma em
busca dela. Ela gritou. Ela clamou pela sua própria identidade perdida nele. Nessa noite, a Lua não subiu acima das nuvens, ficou ali, bem baixa, testemunha da dor e da separação. Nessa noite, eles superaram os seus limites e tornaram-se humanos. Não mais rei e princesa, simplesmente ele e ela. Nessa noite o Sol não quis nascer. Mas o destino interveio e a madrugada trouxe com ela o brilho das cerejas acabadas de colher. E eles viram, eles olharam e acreditaram. Eles sentiram fome e pararam de olhar em volta. Fecharam os olhos. Como naquela tarde. Deram um passo atrás. E chocaram. Costas com costas, ambições com atitudes. O início de um abraço.
Que os voltou para o futuro.
Nessa manhã eles separaram-se sem temor. Nessa manhã ele não sabia para onde ia. Mas sabia que tinha para onde voltar. Essa manhã, foi a primeira de todos os dias. Essa manhã foi a primeira. De todos os dias.Do resto da sua vida.
Talvez não seja bem uma história.
Talvez seja.
Mas só se a quiseres criar.



Miguel Encarnação
2h27min
3 Junho 2008

sexta-feira, maio 23, 2008

Adeus



Quando acordou nessa manhã, os raios de sol brincavam por entre as frestas da persiana corrida, cinco linhas de onze tracinhos que se esforçavam por iluminar o quarto. De frente para a janela estava uma cama antiga, de mogno escuro, com formas, esculturas como torres de castelos medievais e mesquitas arredondadas, peças delicadas ou fortes, mundos nascidos do cinzel e do torno e das mãos do carpinteiro.
São sonhos de pessoas que fazem sonhar pessoas.
Ao lado da cama uma só mesa de cabeceira, do lado esquerdo, com um despertador antigo, com as marcas das incontáveis vezes que fora espancado pelo silêncio. Mas através do tempo e da força ele aguentou-se, durou, e as mãos outrora duras afeiçoaram-se a ele, e de murros passaram a festas.
E ele não falhava. Tic... Tac...
Quando acordou nessa manhã, o despertador ainda não tinha tocado, mas o Sol já brincava com as partículas que voavam, só entre as frestas da persiana, como se só a luz as activasse e lhes desse vida.
Quando acordou nessa manhã, continuou a dormir. Não podia acreditar que tudo aquilo fosse real... Mas parece tão real! - pensou...
Por baixo da janela, fora do efeito das tranças que iluminavam o seu espaço, uns olhos sorriram-lhe. Aqueceram-no por dentro. Disseram: Bom dia meu pequeno. Aproximaram-se. Os olhos.
-É isto o fim? - perguntou - Acabou?
- Não, meu pequeno, não é o fim. Tu sabes quem eu sou. Tu sabes o que sou.
Os olhos.
Quando ele acordou nessa manhã, afagou o despertador para o desligar.
Quando ele acordou nessa manhã, abriu a persiana até cima. Chovia. Nessa manhã ele abriu a janela e caminhou à chuva. Sentiu cada gota, saboreou cada segundo. Olhou o Sol por trás das nuvens, por trás do céu, e sorriu.
Nessa manhã, pela primeira vez o fiel despertador não despertou, quebrou, partiu, ruiu.
Nessa manhã o Sol não furou pelas frestas da persiana.
Nessa manhã ele não acordou.

Miguel Encarnação
20 Maio 2008
14h43min

quarta-feira, maio 14, 2008

Perspectivas - Another nonsense essay


Nasce a noite, hoje é dia de celebrar. Hoje nasci. Descobri-me dentro de mim, iluminei-me e sabes que mais? Não gostei de tudo o que vi. Sim, sim, é uma hipocrisia e arrogância, estar praqui a falar de mim, mas eu não estou a falar, estou a escrever…

E-S-C-R-E-V-E-R ! Capisce? Quero lá saber que o mundo me imponha barreiras, que tenha de viver limitado pelo que sei, pelo que não sei, por tudo o que sinto e não sinto, tudo o que devia sentir e sinto mesmo e que não sinto mas devia sentir ou que não devia sentir e tudo isso.. Espirais! Espirais dentro de círculos, nada mais! Não passa tudo de uma esquizofrenia paranóica que me leva inexoravelmente no caminho da loucura. Afinal para que serve tudo isto? Eu nem acredito em deuses e céu e inferno e essas tretas todas! Tenho que fazer tudo de acordo com umas regras estereotipadas que ninguém sabe quem escreveu, mas que nos ensinam desde putos, para seguirmos o caminho certo em direcção ao céu, como um rebanho de ovelhas virado ao curral, mas o pastor na realidade não vai à procura da ovelha tresmalhada… Deixa-a aos lobos!

Será normal sufocar mesmo ao ar livre (sim, chama-se asma…), porque raio não pode toda a gente tar numa boa? Ah claro, depois como é que se sabia que estávamos bem, se não podíamos comparar? TRETAS! Causalidade, casualidade, parece tudo o mesmo… Que raio de efeito é que terá de se passar por esta causa? Hã? Tudo isto é inútil. A minha escrita é inútil, cada conversa é inútil, o próprio mundo é inútil, então para que servimos nós? Nós passamos por entre toda esta inutilidade, esta irrevogável inutilidade que nos contamina, que nos torna cada vez mais, em doses pequenas ou de forma atómica (é tudo de uma vez, pra quem não sabe) INÚTEIS! Mas hey, eu não me sinto inútil, tu sentes-te? Claro que não, cada olhar é uma perspectiva diferente não é? Perspectivas… Não será isso uma palavra fina, um eufemismo para manias? Uma peça vermelha, não é por ser olhada por um daltónico que passa a ser castanha ou azul! Perspectiva é uma construção cultural dos apologistas da diferença. Somos todos humanos, hello? O que é arte? Consegues definir arte? É que nem vou seguir por aí… Pelo menos aqui sou livre. Posso escrever que és minha, e onde está a autoridade de alguém para o negar? De uma qualquer PERSPECTIVA tu és minha, não é assim?
Ironia… Aí está uma invenção brilhante! Nunca falha! O quê, achas-me arrogante? Bah, visto da perspectiva correcta é ironia com um fino toque de sarcasmo, percebes? Exacto, lá está… Círculos dentro de espirais! E é melhor parar, diria que já escrevi de mais. Depende do ponto de vista…Ou melhor, da perspectiva!

00h23

14 Maio 2008

MelancholicSoul

terça-feira, maio 13, 2008

Hoje o Céu está branco



Hoje o céu está branco
Há carros vermelhos, carros azuis
Há carros.
Há sons, são murmúrios, são buzinas
Há som.
Pessoas esperam, pessoas avançam
Outros ficam.
Cai a tinta das paredes
Hoje o céu está branco.
Hoje a linha segue em frente
Há orvalho sobre a vinha
Poste, linha. Poste, linha.
A relva foi cortada rente
Hoje o céu está branco
Ninguém voou.
Mas há um telhado no meio do nada
Vejo laranja no meio do verde
Vejo ramos erguidos em veneração
Ao que está para lá das nuvens
Ao que aquece quase sem queimar
Ao Sol escondido a brilhar
Sopra o vento devagar
Ameaça partir, sem chegar a tanto
Dançam as folhas a respirar
Hoje o céu está branco.

10h24min
12 Maio 2008

MelancholicSoul

Desta vez dou-vos um total nonsense, durante uma viagem de comboio ;)
Enjoy, e comentem!

segunda-feira, maio 12, 2008

Didascálias

Já há muito que não postava..deixei passar em branco o segundo aniversário deste vosso blog, mas agora vou voltar com mais textos em breve, e quem sabe uma remodelação no layout ;)

Agora deixo-vos algo que escrevi sobre uma das minhas paixões, o Teatro...

Toc...
Toc Toc...
Ouvem-se as pancadas do francês
Vai cair a nossa venda
Vão cair todas as vendas
Toca o som do destino
E o destino é entrar
O destino é sentir, é reagir, é viver
O nosso destino é Ser
Cai a luz, sobe a luz
Passam segundos como horas
Passam dias como manhãs
No nosso mundo que é real
Fazemos de uvas maçãs
Caímos aos pés de qualquer mal
Esquecemos as fronteiras do normal
Nós escrevemos, improvisamos
Criamos e sentimos a dor
Vivemos e simulamos o amor
Morremos, mas não nos importamos
Orgulhosos dos aplausos que ignoramos
Porque nesta escritura do Destino
Que nos deu Eusébio e Amália
Nesta peça do Tempo sobre o Universo
Serei sempre mera didascália.

10h33min
12 Maio 2008

MelancholicSoul

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

domingo, janeiro 27, 2008

Gota




Descobrem-se as gotas que inesperadamente
Afloram
Destroem
Deformam
Criam sem viver
São raízes
Elevam-se para a vida...
Procuram o calor das estrelas
Que iluminam e ofuscam o olhar perdido...
Vagueante num mar de dúvidas
Focando o epicentro da solidão...
Encadeado pela explosão alargada da melancolia
Como preso voluntário
Numa prisão de ironia...
Vulgo beijo...
Despedida
Lágrima caída
Arrependida...

Caiu...


Este é dedicado à Ritinha*

Melancholic Soul
out.

terça-feira, janeiro 08, 2008

É noite




É noite
Ou será apenas presença de escuridão?
Somos sensíveis à luz
Porque não ao coração?
Também ele vê, só ele sente
Se os olhos são ferramenta
Ele é pedra basilar
Se a cabeça aguenta
Ele ainda assim pode expirar...

Já perdi a conta aos momentos
Em que a força começa a faltar
Já esqueci sentimentos
Na ânsia de os prolongar
Mas nunca deixei de saber
Que tal como os raios do Luar
Não deixam a escuridão vencer
Meu Coração há-de viver...
Á viva força de te Amar.

Melancholic Soul
07/01/2008
18h14min

You're everything Smart Girl ;)